Maior que o Oceano
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Espero…
Lembrar-me das filas para o almoço, das grandes limpezas, do entusiasmo em comer ovos ao pequeno almoço de domingo, do sino, das ondas inesperadas no middle deck a meio de um dia de escola, de estudar dias inteiros com antiderrapantes debaixo do rabo, de chegar ao quarto e ter uma das minhas colegas de quarto a ler, outra a escrever entre quilos de tralha e outra deitada na minha cama.
Lembrar-me de todos os momentos em que me senti triste, cansada ou frustrada e segundos depois recebia de cinco pessoas, cinco abraços carinhosos. Dos dias de lavagem de roupa, da alegria de tomar um duche de 3 minutos no mesmo dia em que mudo os lencóis da cama, dos banhos de chuva ou de mar. De pensar antes de tomar banho que lado devo escolher, em função das velas. De atirar cascas de maçã borda fora, de dormir em hammocks no deck, de ter mais de 100 picadas de mosquitos nas pernas, de poder entrar em qualquer um dos 10 quartos e ter uma conversa de 4 horas.
Lembrar-me das centenas de quilometros desconhecidos que percorri com duas horas de sono, pessoas do outro mundo, diversão, alegria, chinelos e mochila às costas. De pendurar a roupa ou medir a força do vento e ter a sensação que as camisolas ou o aparelhómetro me vão cair das mãos e mergulhar no mar. Das tardes a arrumar comida em bancos, das dez horas a limpar todos os centímetros quadrados de ferrugem nas paredes da cozinha, das noitadas a escrever sasstory, dos maus humores, das discussões, das cartas conciliadoras, das pausas para agachamentos nos dias de escola, da alegria de receber sailmail, da emoção no primeiro telefonema para casa.
Lembrar-me do conforto que é chegar ao quarto e ter um bilhete a dizer “Ik hou van jou” [Adoro-te], dos serviços de cozinha, das quinze horas de trabalho, centenas de pratos, copos e talheres por lavar. Das horas seguidas a chorar a rir, do mastro, da kluiver net [rede à proa do navio], do medo e excitação que é estar lá em cima, do banco em que almas enjoadas se deitavam a recuperar, do presente de anos do Sam, dos momentos em que nos chamavam para içar velas. Dos momentos em que todos gritávamos “Een, twee” [um, dois] e puxávamos cabos, das estrelas e do céu à uma da manhã, do frio às quatro, de acordar o próximo turno e dizer: “Heeey! You have watch in twenty minutes. It is really cold but the sky is beautiful!”. Da sensação que é acordar e sentir o sol pela janela do quarto, chegar ao deck e ver que estávamos a velejar num mar azul extraordinário.
Lembrar-me dos golfinhos e baleias, dos dias inteiros de fato de banho e chinelos, de todos os portos, todas as pessoas, todos os sentimentos, todas sensações e descobertas. Dos 30 holandeses, que independentemente do sítio ou mês, cantavam, em cada um daqueles nossos 48 metros, calão português acompanhado de ”Muitos beijinhos” com o ar mais carinhosamente maluco que imaginar se possa.
Espero lembrar-me de aproveitar todos os segundos, minutos e horas que são só por si as maiores e melhores oportunidades para ser feliz.
Vivi seis meses de uma experiência indiscritível, aprendi e senti muito mais do que seria possivel imaginar, conheci pessoas, sítios e histórias fenomenais. Vivi com uma família 183 dias em que nos divertimos, em que trabalhámos, em que aprendemos, em que rimos e vivemos momentos do outro mundo, outros em que chorámos e ultrapassámos obstáculos.
Hoje, estou na minha casa de terra há uma semana e hoje sei que a casa no mar ainda é minha, que aquelas pessoas ainda são as minhas pessoas e que o School at Sea “não acabou, acabou de começar.”.
Tenho uma sorte maior que o oceano por viver estes dois mundos, por navegar aquelas 12 000 milhas e por ter mil obrigadas para dizer e escrever.
Obrigada, a todos os meus amigos e amigos tripulantes, por me apoiaram a sonhar, a sair, a estar e a voltar. Obrigada Mãe, Pai, Ju e Beco, por sonharem e viajarem do Faial à Lua comigo. Obrigada, família do mar por todos os momentos, todos os risos, choros, diversões, aprendizagens, desafios e obstáculos. Obrigada, Regina Maris, por seres a casa de tantas pessoas. Obrigada, School at Sea, por esta oportunidade maior que o oceano.
Mimi at Sea